sexta-feira, novembro 06, 2009

Voltei a escrever

Eu adoro ler. E adoro escrever. mas já não escrevia há muito tempo. O meu livro, começado há imenso tempo, estava mais que parado. Parado porque eu não escrevia, parado porque estava num beco sem saída. Eu tinho toda a história na cabeça, só faltava acabar de a pôr cá fora. Mas essa história, esse livro, já não me fazia muito sentido. Por isso reinventei a história. Ainda não sei como vai acabar, mas já está a correr... aqui fica, só para abrir o apetite (ou não), o principio do livro.


Sorriu-me e, com toda a calma do mundo, como se quisesse guardar para sempre aquele momento, disse-me, entre um círculo de fumo e um gole de vinho:
- Quando conseguirmos realizar todos os nossos sonhos estaremos condenados à infelicidade ou à solidão…
Olhei-a, um pouco confuso. Não sabia se era do álcool, se da afirmação dela, mas aquela cena estava a parecer-me um bocado parva.
- Porquê?
- Imagina que o teu sonho era viver comigo numa cabana frente ao mar…
- Mas achas que eu queria alguma vez viver contigo??!!
- não interessa, imagina que era esse o teu sonho. Agora imagina que todos os nossos sonhos se realizavam… eu detesto o mar e ia ser infeliz junto ao mar… logo, tu ias ser infeliz também, porque eu estava infeliz…
- não percebi…
encolheu os ombros e riu, como que a dizer “nem eu percebi…”. Gostava de a ver rir. Tinha um riso largo, que a deixava ainda mais bonita, com duas covinhas na cara.
- vê lá se percebes o que eu quero dizer… - fez uma cara engraçada enquanto tentava perceber o que me queria explicar – o que eu quero dizer é que temos de ter cuidado com o que sonhamos, porque podemos arriscar a que o sonho se concretize… - fez uma pausa.
- e…???
- e então, pode não ser o que estávamos á espera!
- Mas pode ser..!!?
- E achas que vale o risco?
- Então não vale, é um sonho nosso…!!!
- Mas o problema é que nós só sonhamos o principio das coisas…
- hã? – já não era ela, era o álcool.
- Sim! – deve ter começado a perceber a ideia que me estava a vender e começou a entusiasmar-se – volta a imaginar que estavas apaixonado por mim e que o teu grande sonho era viver comigo numa cabana em frente ao mar…
- Ok, já estou a imaginar…
- E então?
- Então o quê?
- Como é que é?
- Como é que é o quê?
- Estamos os dois a viver numa cabana em frente ao mar, e depois?
- Então e depois nada! Estamos os dois muito felizes a viver numa cabana em frente ao mar…
- Pronto, aí está o problema! O teu sonho acaba quando começa a realidade. Acaba quando estamos os dois a chegar á nossa cabana nova em frente ao mar… e depois? No dia seguinte? E na semana seguinte? E daí a um ano? Éramos infelizes porque tu realizaste o teu sonho…
- ????
- Sim. Eu detesto praia, não gosto do mar, a areia irrita-me… e vivíamos de quê?
- Eu trabalho, tu trabalhas…
- Fazíamos uma hora e meia de caminho para cada lado para ir trabalhar… chegávamos a casa de rastos e sem paciência para nada… no inverno a barraca metia água por todos os lados…
- Cabana!
- Pronto, cabana. No verão fazia um calor que não se podia dormir… e os putos?
- Quais putos?
- Os nossos putos!
- O que é que têm?
- Como é que era a vida deles? Faziam castelos na areia, corriam atrás das gaivotas e apanhavam berbigão para se entreterem? Ou a barraca, cabana, tinha eletricidade?
- O quê?? Mas está a falar de quê?
- Dos nossos sonhos! Acabam quando começa a realidade! Nós idealizamos uma coisa, uma vida, alguém e vivemos em função de conseguir isso, mas não sonhamos para além disso…
- Mas isso é a vida…
- Repara que as histórias dos príncipes e das princesas acabam quando eles ficam juntos…
- Sim, ficam juntos e foram felizes para sempre!
- Foram o caraças!
- Mas como é que sabes que não foram?
- Olha lá, o príncipe encantado conhecia a bela adormecida de algum lado? Sabia se ela era ciumenta, se era chata, se tinha ideias parvas, se gostava de dançar, se queria ter filhos… não sabia nada dela! Sabia que era gira e queria aviá-la…
- Queria aviá-la? Se calhar queria, mas era mais do que isso, queria casar com ela. Por isso é que teve aquele trabalho todo para a encontrar…
- Ora aí está! – os copos estavam a fazer efeito. Já se julgava o melhor condutor do mundo – o sonho do príncipe era casar com a princesa que estava presa na torre,
- Com a bela adormecida!
- Uma gaja dessas, pronto. O sonho dele era ir salvar a miúda e casar com ela… então e depois? Passado um ano a gaja tinha-lhe derretido o dinheiro todo em jóias e roupa, andava enrolada com o melhor amigo dele, não a podia levar a lado nenhum que a gaja não mandava uma p’rá caixa…
- Mas como é que sabes?
- Não sei, mas ele também não! Por isso, como é que o sonho dele pode ser casar com ela?
- Porque está apaixonado por ela!?
- Ok, e então?
- Então o quê?
- Estão muito apaixonados um pelo outro, por isso casam e pronto, está o sonho concretizado… e depois?
- Então ignoramos os sonhos? Estou apaixonado por ti, nem durmo a pensar em ti, ando parvo porque só sonho estar contigo, tu, por acaso, também me achas engraçado e também gostas de mim, mas, como isto pode não correr bem, o melhor é estarmos sossegados cada um no seu canto… bem, se tu mandasses no mundo pelo menos não havia problemas de super população…
- Não, parvo!! O que eu quero dizer é que… o que eu quero dizer é que não podemos achar que…
- Que a vida é só rir e comer bolachas!
- Exactamente! Nós idealizamos certas coisas, achamos que quando conseguirmos isto ou aquilo, ou se conseguirmos isto ou aquilo, aí sim, a nossa vida vai ser uma maravilha e vamos ser felizes… mas não pensamos que quando lá chegarmos começam outros problemas…
- Mas isso é a vida, minha querida!
- Está bem, mas o que eu quero dizer… - já estava a ficar cada vez mais confusa – olha o que eu quero dizer é que tenho o copo vazio!!
- E o teu sonho é tê-lo cheio…? Mas sabes que, se eu o encher, tu vais bebê-lo e amanhã estás de ressaca… não podes sonhar só em ter o copo cheio. Se concretizares esse sonho as coisas a seguir podem correr mal…
- Vai-te foder e dá-me vinho!
A conversa continuou, ao mesmo ritmo da garrafa de tinto, sobre isto e sobre aquilo, mas acima de tudo sobre nada. Falávamos da vida. Das nossas vidas. De estarmos ali os dois, sentados em almofadas no chão da minha sala, das vidas que tínhamos antes um do outro, das que queríamos ter tido, das vidas que nunca iríamos ter… e de sonhos e esperanças que se foram perdendo e ganhando. E dos amigos. E dos sonhos e das esperanças dos amigos. E de coisas parvas. Abrimos mais uma garrafa e voltámos à carga das palavras. Se fosse um filme, a câmara ia andar pela sala de forma intimista, ia focar aquele golem que tinhamos trazido de Praga, voltava a um grande plano da cara dela, a mostrar a beleza lenta que ela tinha, afastava-se e mostrava um plano panorâmico da divisão onde estávamos, focava, de longe, um livro qualquer…ia haver uma atmosfera enfumarada, não em demasia, apenas as volúpias do fumo dos nossos cigarros a subir para o tecto, a dar aquela ar azulado à cena, com luzes baixas e ao fundo, entre as palavras, as minhas palavras e as dela, íamos ouvir, baixinho, um chill out qualquer…

2 comentários:

soniarabeca disse...

Mi like!!!

Unknown disse...

Grande livro....
Se não fosse ele, não estavamos juntos....