sexta-feira, novembro 20, 2009

Saudades

Fez no Domingo um ano que o mundo ficou muito mais pobre. Pelo menos o meu mundo. Perdi, perdemos, de repente, uma das mulheres mais marcantes que já conheci. E pela qual tinha, tenho, um Amor e uma admiração enormes. Uma mulher que há 40 anos vestia de preto e mal saía de casa. Religiosamente, saía ao Domingo de manhã para ir à missa e depois para ir ao cemitério. Sempre me comoveu a forma como, mal lá chegava, ía beijar a foto do marido com as lágrimas a escorrer pela cara... 40 anos depois de o ter perdido, amava-o como no dia em que se casou. Nos 34 anos que tive o previlégio de a conhecer, foi isso que mais me marcou, a sua gigantesca capacidade de Amar. Dedicou a sua vida a amar a familia. Foi mãe, avó, tia, prima, irmã... dos seus e dos que, não sendo seus, passaram a ser, pelo amor e pela dedicação que lhes tinha. A única coisa que a ouvi pedir a Deus para si própria, foi que, quando morresse, que fosse repente, para não dar trabalho nem preocupações a ninguém. De resto, pedia a Deus por todos. Sofria com o sofrimento dos outros, alegrava-se com as nossas alegrias... estava sempre lá, discreta, no seu cantinho, a chorar de felicidade por nos ver felizes, a chorar de tristeza por nos ver tristes, a rezar por nos ver preocupados... Criou não sei quantas gerações da minha familia, de amigos meus, de amigos dos meus pais... mais do que tudo, as crianças eram a sua maior alegria...
Fez no Domingo um ano que esta velhota encheu uma igreja, encheu uma estrada de gente, encosta acima, para se despedir dela uma última vez. Gente triste, de lágrimas nos olhos por a ver partir, mas felizes por termos tido a sorte de a conhecer. Velhos, menos velhos, jovens, adolescentes, crianças, no meio da dor de a perder, notava-se em todos uma especie de felicidade, de serenidade, porque era de uma grande mulher que nos estávamos a despedir, e a todos, de uma forma ou de outra, ela tocou. Mais do que para dizer adeus, juntou-se uma multidão para dizer Obrigado! Deus acedeu ao seu pedido. Morreu de repente, sem sofrer, sem dar trabalho a ninguém, sem entrar em decadencia... A última imagem que tenho dela é de duas semanas antes, a rir e a chorar ao mesmo tempo e a rabujar "mas para que é que é isto, havia alguma precisão de fazer isto...", atrás do seu bolo de aniversário, a apagar as velas antes de nós acabarmos de cantar... Acredito que, com todas as dificuldades que teve na vida, foi feliz. Teve uma vida que valeu a pena. E, como ouvi alguém dizer, de certeza que todas as crianças do céu estavam à espera dela para a receber... e eu acrescento que o meu avô também.
Fez no Domingo um ano que eu fiquei mais pobre. Perdi uma das grandes referencias da minha vida. Fica a saudade, as memórias e as recordações, o Amor que ela me tinha, nos tinha, porque esse só há-de morrer quando o último de nós morrer... e fica aquele sorriso meio envergonhado, emoldurado pelas rugas de uma face marcada por uma vida a sofrer pelos outros... Um grande beijo e um Muito Obrigado, Avó!

1 comentário:

RG disse...

Magnifico! Quando se escreve com o coração repleto de fortes e sentidos sentimentos é este o resultado: magnifico!
Assim não vale... vai uma pessoa ler este blogue, supostamente para espairecer, descontraidamente e eis senão quando de repente se me deparo com esta grande beleza. Como estas palavras me tocaram! Como as senti como minhas! Fizeste-me chorar!!! Obrigado... e um fortissimo abraço!