quinta-feira, fevereiro 11, 2010

A Morte saíu à rua...

Hoje fui a um velório. Um senhor que não conhecia pessoalmente, tio da minha mulher, mas daqueles que não são muito próximos... não o conhecia, pronto. Mas o senhor faleceu hoje de manhã e fui com ela ao velório... Ainda por cima é um dia com um significado pesado para a familia dela, uma data que recorda muitos mortos... mortos muito próximos, mortos muito amados, mortos muito novos para serem mortos. E fiquei a pensar na morte e nas formas que cada um tem de lidar com ela. O primeiro funeral a que fui, que me lembre, foi de uma grande Amiga, mulher de um grande Amigo, que morreu de cancro com 27 anos. Eu devia ter uns 24. Depois disso nunca mais morreu ninguém que me fosse assim muito chegado. Até há dois anos atrás. Então, em menos de um ano, faleceu a avó da minha mulher, a minha avó e o avô da minha mulher...
Saí para a rua, há bocado, fui fumar um cigarro no frio, e fiquei a pensar nisso... nas maneiras com que lidamos com a morte. Eu, pessoalmente, acho que temos que honrar os que amamos enquanto os temos connosco, depois, quando eles morrem, fica o amor e ficam as memórias, mas o corpo é apenas isso, um corpo morto. Já não é a pessoa que nos enchia o coração. Talvez por isto eu encare a morte com uma certa... não vou dizer leveza, porque não o é, mas talvez arrisque desprendimento. Talvez por isto os rituais funerários católicos não me digam muito. Ou melhor, dizem, não gosto deles. O velório acima de todos. Acho que serve para mostrar que estamos a sofrer por ter perdido alguém... se calhar é feio dizer isto, mas parece-me uma espécie de mostruário. A familia senta-se ali à volta do morto e os conhecidos e amigos passam por lá a desejar "os sentimentos"... Mas se fosse só isto eu até me calava. Acredito que para algumas pessoas seja realmente um momento para se despedirem de quem morreu, mas para a maior parte das pessoas é um sitio onde se vai para verem que se foi lá, e, ainda por cima, dá para estar um bocado a falar com o pessoal que já não se vê há uns tempos... está lá um morto, mas, depois de dar os sentimentos à familia, já ninguém se lembra dele... Além disso, a própria familia tem que fazer um velório como deve ser... na terra da minha mulher, velório que se preze tem de ser a noite toda! Ponto! Porque senão toda a aldeia vai ficar a falar disso... e então ali fica a familia mais próxima à volta do corpo morto, numa maratona de silêncio ou de conversas avulso sobre tudo e mais alguma coisa para enganar o sono, ou mesmo a passar pelas brasas... porque tem de ser! Eu não consigo perceber como é que isso honra a pessoa que faleceu... Aceito, obviamente, e respeito, que se cumpram estas tradições, apenas não as compreendo. No velório da minha avó estive quase todo o tempo cá fora, à porta da casa mortuária, a conversar com amigos. Se, enquanto a minha avó era viva, nunca passei uma tarde e uma noite sentado em silêncio a olhar para ela, porque é que o faria agora...? Passava muito tempo, isso sim, à conversa com ela, mas aquele corpo já não é "ela"... não é num sitio com velas e um ar pesado que eu me sinto próximo dela... é nas memórias, nas coisas e nos sitios que ela gostava, no que me ensinou, nas pessoas que, como eu, gostavam dela... Acho importante que se relembre quem morre e que as pessoas se juntem para chorarem em conjunto a dor de perder quem se ama... é mais fácil, ou pelo menos mais intenso. Tudo o resto... aceito e respeito, mas não compreendo nem me identifico. Fiz 25 anos três semanas depois da nossa Amiga morrer. Foi das festas de anos mais brutais que já fiz!! Porque foi mais intensa. Porque todos sentiamos a falta dela. Ali, naquela festa. Porque era ali, onde ela gostava de estar, onde tinhamos todos passado momentos inesqueciveis com ela, que nos sentiamos mais próximos dela. Acho que foi a melhor homenagem que lhe podiamos ter feito. Acho que foi a melhor maneira de nos despedirmos dela... em vez de ficarmos em casa, cada um para seu lado num respeitoso silêncio vestido de negro, juntámos os amigos, como sempre, e pintámos a manta como só ela o sabia fazer... rimos e chorámos e, de cima duma cadeira, fizemos um brinde com ela, porque era assim que ela vivia, era assim que nós a conheciamos, era assim que nós a amávamos. E falámos dela, e lembrámo-nos de tantas e tantas coisas que ela dizia e fazia e acontecia, e rimos e chorámos, como sempre tinhamos feito com ela... Porque era ali que ela estava, não numa sala mal iluminada e com pessoas em silêncio numa vila alentejana...

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